Sociedade - As dimensões da pobreza
Ainda que a pobreza seja perceptível em diversos lugares e situações, é muito difícil captar exatamente sua dimensão. Quais são as carências e o que é preciso fazer para amenizar o sofrimento das pessoas que vivem com pouco ou nenhum recurso. Para ajudar a traçar um perf il mais preciso dos problemas da pobreza no Brasil, o Ipea propõe a aplicação de um índice que leve em consideração as diversas facetas das necessidades da população e que possa calcular o nível de vulnerabilidade família a família
Taxas de extrema pobreza caíram pela metade desde 1990. Embora seja um feito notável 1 em cada 5 pessoas nas regiões em desenvolvimento ainda vive com menos de US $ 1,25 por dia, e há muito mais milhões pessoas que ganham pouco mais do que a quantidade diária, à qual se acrescenta que muitas pessoas em risco de cair na pobreza.
A pobreza vai além da falta de renda e recursos para assegurar uma subsistência sustentável. Entre suas manifestações a fome e a desnutrição, acesso limitado à educação e outros serviços básicos, discriminação e acesso à exclusão social e falta de participação na tomada de decisões estão incluídas. O crescimento económico deve ser inclusivo, a fim de criar emprego sustentável e promover a igualdade.
Fatos e números
1.200 milhões de pessoas ainda vivem em extrema pobreza.
Cerca de 1 em cada 5 pessoas em regiões em desenvolvimento que vivem com menos de US $ 1,25 por dia
A grande maioria das pessoas que vivem com menos de US $ 1,25 por dia pertence a duas regiões: Sul da Ásia e África Subsaariana.
Altos níveis de pobreza são muitas vezes pequenos, os países frágeis e afectados por conflitos
Globalmente, 1 em cada 4 crianças menores de 5 anos tem uma altura apropriada para a sua idade
Em 2013, a cada dia, 32.000 pessoas tiveram de deixar suas casas em busca de protecção devido a um conflito
Brasil
O Brasil foi um dos países que mais contribuiu para o alcance global da meta A do ODM 1, reduzindo a pobreza extrema e a fome não apenas pela metade ou a um quarto, mas a menos de um sétimo do nível de 1990, passando de 25,5% para 3,5% em 2012. Isto significa que o país, considerando os indicadores escolhidos pela ONU para monitoramento do ODM 1, alcançou tanto as metas internacionais quanto as nacionais. Outro fator em que houve mudanças foi o analfabetismo na extrema pobreza. Em 1990, a chance de uma família liderada por um analfabeto estar em situação de pobreza extrema era 144 vezes maior que a de uma família liderada por alguém com curso superior. Essa razão diminuiu em 2012 e passou a ser de apenas 11:1.
Mundo
Pessoas em situação de pobreza extrema são aquelas que apresentam uma renda média de R$ 2,36 por dia, ou R$ 71,75 por mês. Segundo dados apresentados pelo Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio 2013, o mundo alcançou a meta de reduzir a pobreza extrema à metade do nível registrado em 1990 cinco anos antes do estipulado. Porém, ainda que a parcela da população mundial considerada extremamente pobre tenha passado de 47% para 22%, mais de 1,2 bilhão de pessoas continuam a viver nessa condição. A cada oito indivíduos, pelo menos um não tem acesso regular a quantidades suficientes de alimento para suprir suas necessidades energéticas. Além disso, mais de 100 milhões de crianças continuam em estado de desnutrição, enquanto 165 milhões são raquíticas.
Por Lia Vasconcelos, de Brasília
Quem são os pobres? Onde eles estão? Como vivem? As perguntas podem parecer um tanto óbvias quando falamos de países como o Brasil,em que a pobreza é muito exposta.Mas,ao contrário do que se possa imaginar, medi-la não é tarefa trivial. Muitos são os estudiosos que se debruçam sobre o tema e muitos foram os índices criados até hoje.A forma mais simples e mais usada costuma ser o estabelecimento de uma linha de pobreza dividindo pobres e não-pobres.A variável central para a construção dessa fronteira normalmente é a renda per capita de uma família comparada com o custo de satisfação das necessidades básicas.A referência é o preço de uma cesta básica de alimentos.Assim, são consideradas em situação de indigência as famílias e pessoas cuja renda per capita é inferior ao custo da tal cesta básica de alimentos.
Um dos índices mais conhecidos é a linha estabelecida pelo Banco Mundial, segundo a qual são pobres os que vivem com menos de 1 dólar por dia.Alguns pesquisadores, no entanto, acham essa perspectiva muito limitada.A crítica principal é que esse conceito não dá conta de um problema complexo e multifacetado por natureza. Assim,desde a década de 1970,novas concepções vêm surgindo com o objetivo de construir uma caracterização mais precisa do cenário de privação vivenciado pelas pessoas em situação de pobreza.Essa visão mais profunda inclui no cálculo aspectos essenciais do bem-estar, como saúde, educação, saneamento básico e moradia.
A idéia de construir um indicador que sintetizasse todas as dimensões relevantes da pobreza humana tomou maior impulso somente após a criação do Índice de Pobreza Humana (IPH) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em 1997.É o índice que mais tem sido utilizado em estudos aplicados, em particular nos relatórios de desenvolvimento humano.Com o objetivo de contribuir para esse debate,pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançaram recentemente um estudo chamado "Pobreza multidimensional no Brasil", no qual propõem um novo cálculo do índice de pobreza,baseado nas informações coletadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad),do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A grande novidade é que o índice pode ser calculado para cada família com base nas informações da Pnad.Assim,será possível, a partir de agora,não apenas avaliar o grau de pobreza de bairros,municípios e países,mas também de grupos demográficos específicos,como negros,crianças,idosos e analfabetos.Será também possível investigar quais dimensões - educação,moradia etc.- da pobreza são as principais responsáveis pelas diferenças existentes entre grupos sociais considerados pobres."O trabalho é uma contribuição relevante e competente para a análise da pobreza no Brasil", acredita Rodolfo Hoffman, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Antes de chegar a qualquer resultado, entretanto,foi preciso desatar um nó,já que existem diversos caminhos possíveis para a construção de um indicador de pobreza multidimensional.O peso de cada variável pode diferir, assim como os métodos de composição do índice.Algumas etapas precisam ser vencidas nessa construção.Entre os obstáculos a serem superados está a necessidade de definir quais dimensões são as mais relevantes e quais devem ser os indicadores utilizados para representar cada uma delas. Ricardo Paes de Barros,Mirela de Carvalho e Samuel Franco,pesquisadores do Ipea e autores do estudo, optaram por incluir no cálculo seis dimensões, 26 componentes e 48 indicadores. É como se fossem feitas 48 perguntas às famílias sobre suas condições de vida.A idéia é que cada uma das seis dimensões se desdobre em componentes que, por sua vez, requerem diferentes indicadores para representá-los.
Com base nas informações da Pnad,os pesquisadores elegeram as seguintes dimensões, componentes e indicadores:
1.Vulnerabilidade
Componentes: fecundidade, atenção e cuidados com crianças, adolescentes e jovens, atenção e cuidados especiais com idosos,dependência demográfica e a presença da mãe.
Indicadores: a presença de criança ou idosos na família e a existência de criança no domicílio cuja mãe já tenha morrido ou que não viva com a mãe, entre outros. Para os pesquisadores, investigar a presença da mãe é particularmente importante, já que, caso as crianças sejam criadas por terceiros, existe uma probabilidade de desproteção maior,de exposição a trabalho em atividades extenuantes, de estarem fora da escola ou doentes sem atendimento médico adequado.
2.Falta de acesso ao conhecimento
Componentes: analfabetismo,nível de escolaridade formal e qualificação profissional.
Indicadores: presença de adulto analfabeto na família, ausência de adulto com secundário completo e ausência de trabalhador com qualificação média ou alta, entre outros.
3. Acesso ao trabalho (representa a oportunidade que uma pessoa tem de usar sua capacidade produtiva)
Componentes: disponibilidade de trabalho, qualidade e produtividade dos postos de trabalho disponíveis,entre outros.
Indicadores: verificação se há ausência de uma pessoa ocupada no setor formal, ausência de trabalhador que esteja há mais de seis meses no trabalho atual e ausência de ocupado com rendimento superior a um salário mínimo. De acordo com o estudo,dotar as famílias de meios sem garantir que elas possam efetivamente utilizá-los para a satisfação de suas necessidades não é uma política eficaz,pois tão importante quanto assegurar que elas tenham acesso aos meios de que necessitam é dar-lhes a chance de usá-los.
4.Escassez de recursos (na composição do índice a renda também tem papel fundamental, já que a grande maioria das necessidades básicas de uma família pode ser satisfeita por meio de bens e serviços)
Componentes e indicadores: a Pnad traz uma série de indicadores que apontam a insuficiência de renda de uma família. Por exemplo, verificação se a renda per capita é inferior à linha de extrema pobreza, se a renda familiar per capita é inferior à linha de pobreza ou ainda se a maior parte da renda familiar vem de programas de transferências.
5. Desenvolvimento infantil
Componentes: trabalho precoce,evasão escolar,atraso escolar e mortalidade infantil.
Indicadores: presença de ao menos uma criança com menos de 14 anos trabalhando, presença de ao menos uma criança entre zero e 6 anos fora da escola e presença de pelo menos uma mãe que já teve um filho nascido morto,entre outros.
Componentes: propriedade do imóvel, déficit habitacional, capacidade de abrigar do imóvel,acesso inadequado à elimiágua, acesso inadequado a esgoto sanitário, falta de acesso à coleta de lixo,falta de acesso à eletricidade e falta de acesso a bens duráveis.
Indicadores: densidade do domicílio, se o material de construção é permanente e se a família possui fogão, geladeira, televisão, rádio ou telefone, entre outros itens.
Izete Pengo Bagolin,professora do programa de pós-graduação em economia do desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), avalia como muito importante a iniciativa da criação de um índice mais preciso para analisar a carência material. "Medir a pobreza de forma multidimensional é essencial para que ações voltadas para o combate da pobreza sejam direcionadas ou focadas nas dimensões ou nos problemas que as pessoas estão efetivamente enfrentando.Ou seja, reduz o risco de subestimar a complexidade do fenômeno pobreza e de desprezar a heterogeneidade que está presente nele", acredita a professora.
Para ela, o índice proposto pelo Ipea apresenta vários méritos por contemplar um número maior de dimensões.Mesmo assim, aponta algumas eventuais falhas."A dimensão vulnerabilidade apresenta indicadores questionáveis,uma vez que o próprio debate sobre esse tema é controverso. E a dimensão da saúde não é contemplada no indicador,mas o trabalho justifica que a escolha dos indicadores é limitada pelos dados disponíveis", diz Bagolin."O destaque do estudo está na possibilidade de estimar o grau de carência por grupos sociais e de desagregar geograficamente as medidas da pobreza multidimensional.No entanto, ficou claro que desafios ainda devem ser vencidos quando se considera o cenário da comunidade das nações", afirma José Carlos Libânio,assessor para o desenvolvimento humano do Pnud.
Tratar a pobreza de forma multidimensional também foi a preocupação dos indianos Amartya Sen, ganhador do Nobel de Economia de 1998, e Sudhir Anand, economista e professor da Universidade de Oxford,na Inglaterra, ao desenvolverem o IPH, do Pnud, em 1997.O IPH é calculado somente para países em desenvolvimento. Esse indicador mede a privação de três aspectos: curta duração de vida (calculada como possibilidade de viver menos de 40 anos), falta de educação elementar (calculada pela taxa de analfabetismo de adultos) e falta de acesso a recursos públicos e privados (calculada pela porcentagem de crianças menores de 5 anos com peso inferior ao recomendado e pela falta de acesso a uma fonte adequada de água).Quanto melhor a posição no ranking,menor a pobreza humana apresentada pelo país ou território.
Capacidade
O Relatório de Desenvolvimento Humano, elaborado pelo Pnud, tornou-se famoso por apresentar o cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de todos os países,mas ele traz também o IPH. Na edição de 2006, o Brasil ocupa a 22ª posição num total de 102 países e territórios.O país em melhor posição foi o Uruguai (primeira posição) e o pior foi Mali,que fica na África.O IPH representou uma importante mudança na maneira como a pobreza era mensurada porque Sen introduziu a idéia de que o padrão (ou a qualidade) de vida não pode ser medido pela posse de um conjunto de bens nem pela sua utilidade, mas sim pela capacidade dos indivíduos em usar esses bens para alcançar satisfação ou felicidade.Ainda assim,segundo ele, há um elemento óbvio da pobreza, que é a fome e a inanição.E aí,não importa qual seja a posição relativa na escala social, pois, se esse elemento estiver presente, certamente existe pobreza.
Encarar a pobreza de maneira multifacetada representou, de certa forma, uma ruptura com índices que têm na insuficiência de renda seu único critério para estabelecer qual é e quem está abaixo da linha de pobreza.Um exemplo é o índice usado pelo Banco Mundial, segundo o qual está abaixo da linha da pobreza quem tem de sobreviver com um dólar PPP (Paridade do Poder de Compra) por dia,que equipara o poder de compra de alguns produtos e serviços básicos entre as nações.Essa referência é usada pelo Banco para chegar a uma base de comparação que possa eliminar as discrepâncias causadas pela cotação das diferentes moedas no mundo. Para o economista Nanak Kakwani,ex-diretor do Centro Internacional de Pobreza do Pnud, há na metodologia do Banco Mundial alguns equívocos.Um deles é que o Banco usou, em 1990, os dados do dólar PPP de 1985 e, posteriormente, quando atualizou os dados em 1993,não levou em consideração a inflação acumulada do dólar norteamericano entre 1985 e 1993.Mas esse não é o único problema.Para Kakwani, o mais grave é que medir o fenômeno com base apenas no número de pessoas que vivem abaixo de certa faixa de renda é ver só parte do problema.
Em seu artigo "O que é pobreza?",Kakwani afirma que "essa abordagem enxerga a pobreza simplesmente como insuficiência de renda. Entretanto, a pobreza existe quando as pessoas têm tão pouca renda que não conseguem satisfazer as necessidades socialmente estabelecidas. O melhor é que qualquer medição de pobreza proposta seja construída com base na idéia das capacidades.A escolha de uma linha de pobreza deveria refletir o custo de alcançar as necessidades humanas básicas", afirma Kakwani em seu artigo.
"A única vantagem da mensuração feita pelo Banco Mundial é que é simples e comunicativa, mas é uma lástima do ponto de vista conceitual ou científico",acredita José Eli da Veiga,professor de economia da Universidade de São Paulo (USP).Na opinião de Rosani Cunha, secretária nacional de Renda de Cidadania,do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), esse tipo de mensuração não corresponde à complexidade do problema,mas não deixa de ser uma forma de comparação entre os países. "Nem todos os países têm bases de dados como a Pnad e, quando têm,muitas vezes elas não podem ser comparadas entre si."
Para driblar essas dificuldades, Kakwani, em conjunto com o também economista Hyun Son,do Centro Internacional de Pobreza do Pnud, elaborou um estudo que considera o custo de vida mínimo em cada país para determinar quem é pobre. De acordo com eles,existiam,em 2001,1,4 bilhão de pessoas vivendo na pobreza.O número é 24% superior ao calculado pelo Banco Mundial no mesmo ano (1,1 bilhão), o que representa um aumento de 266 milhões no total de pobres no mundo, o equivalente à metade da população da América Latina e do Caribe.Esse método procura identificar se as pessoas conseguem se alimentar satisfatoriamente. O acesso à nutrição adequada, segundo eles, é um bom indicador de qualidade de vida, uma vez que reflete aspectos como saúde, moradia e educação.Com base nessa idéia, os economistas selecionaram dezenove países de baixa renda (quinze da África Subsaariana e quatro da Ásia) e calcularam quanto a fatia mais pobre da população gasta,em média, para comprar o equivalente a 1.000 calorias. Multiplicado pela quantidade mínima de calorias necessárias, esse valor corresponde à renda mínima para que as pessoas tenham condições de se alimentar de maneira adequada. São considerados pobres,portanto,aqueles cuja renda é inferior a esse valor.
Os pesquisadores do Ipea,baseados nos dados coletados pelas Pnads em 1993 e 2003, investigaram a natureza e o perfil da pobreza das famílias e dos grupos mais pobres, o grau de correlação entre as dimensões da pobreza, a evolução temporal e as disparidades espaciais.Para avaliar o perfil da pobreza,por exemplo,os pesquisadores decompuseram a população em cerca de quatrocentros grupos sociodemográficos definidos por critérios como idade, sexo, cor, escolaridade do chefe do domicílio, situação ocupacional do chefe do domicílio, região onde se localiza a casa e sua localização - urbana ou rural.O estudo afirma que o grupo pobre mais típico no Brasil é aquele formado por crianças em famílias chefiadas por mulheres negras, com baixa escolaridade, que não estão economicamente ocupadas e que vivem na área rural da região Nordeste. No outro extremo,mesmo entre os grupos menos pobres,o grau de pobreza humana ainda é de 10%, o que significa que nenhum dos mais de quatrocentros grupos investigados apresentou um grau nulo de pobreza.Na maioria dos casos,fazem parte dos grupos menos pobres adultos que vivem fora da região Nordeste em famílias chefiadas por homens brancos que têm alguma educação secundária e trabalham no setor formal.
Distribuição
O fato de o grau de pobreza poder ser calculado para cada família permite não só que sejam estimados o grau de pobreza médio do país ou de cada região, mas toda a distribuição das pessoas de acordo com o nível de pobreza da família.Mirela de Carvalho explica que é possível, portanto, determinar qual a proporção das pessoas no país ou em cada região que exibem grau de pobreza superior a determinados níveis mínimos, como 33% ou 50% (esses pontos de corte foram escolhidos de modo arbitrário pelos pesquisadores e servem apenas para efeito ilustrativo).O que significa exatamente estar abaixo desses pontos de corte? Já se mencionou que o índice é construído por 48 indicadores e que cada um deles pode ser interpretado como uma pergunta que se faz ao indivíduo sobre as condições de vida de sua família."Computamos quantos quesitos são atendidos favoravelmente na família e quantos não o são.Assim,um nível de pobreza humana superior a 50% significa não atender metade ou mais dos 48 quesitos.Dito de outra forma, significa ser pobre em 50% ou mais dos 48 quesitos. Medimos, portanto, o nível de mal-estar das pessoas", explica Carvalho.
As estimativas revelam que, enquanto 7% da população vive em famílias com grau de pobreza humana superior a 50%, cerca de 30% têm grau de pobreza humana superior a 33%."Dizer isso significa falar que 30% das pessoas deixam de atender a 33% ou mais dos 48 quesitos.E que 7% das famílias não atendem a 50% ou mais dos quesitos.A situação do Nordeste é a pior,já que mais da metade das famílias apresenta um nível de pobreza mais elevado do que 33% e por volta de 15% exibem graus superiores a 50%", explica a pesquisadora Mirela Carvalho.
Na avaliação dos pesquisadores que elaboraram o estudo,os indicadores de pobreza multidimensional são fundamentais não somente para análises mais detalhadas da pobreza em si.Segundo eles,esse tipo de indicador tem também papel muito importante em avaliações de impacto das políticas públicas e na focalização de programas sociais."Uma vez que os mercados são imperfeitos e muitas das necessidades, especialmente dos mais pobres, não são satisfeitas, medidas unidimensionais,baseadas somente na renda, não permitem ao formulador de política pública identificar qual a ação mais eficaz.Por exemplo, se determinada região sofre com a falta de acesso à educação,uma política de transferência de renda não irá auxiliar no combate à pobreza, pois nesse caso seriam necessários investimentos em escolas,professores e material escolar",explica a professora Bagolin, da PUC-RS.
Mirela Carvalho, uma das autoras do trabalho,conta que o índice ainda pode ser aperfeiçoado."Para isso é preciso chegar a um número para cada pessoa. Só assim é possível comparar situações,regiões e tempos diferentes.Mas isso é difícil porque ainda não sabemos como a sociedade enxerga cada uma dessas dimensões.A saída escolhida por nós,portanto,foi dar peso igual a elas,o que ainda não é ideal,pois no fundo não sabemos como a sociedade valoriza educação, saúde,moradia, segurança pública e tantos outros aspectos que fazem parte da vida.A grande novidade do índice proposto por nós é que a medida consegue captar as nuances de uma comunidade, o que significa a possibilidade de fazer uma política mais efetiva para atender necessidades específicas", afirma.
"Nós estamos testando o modelo proposto pelo Ipea para apoiar a gestão do Bolsa Família, um programa que distribui de 15 a 95 reais todo mês para 11,1 milhões de famílias",relata Cunha,do Ministério do Desenvolvimento Social. Segundo ela, a idéia ainda não é substituir a insuficiência de renda como critério da oferta do auxílio a curto prazo."Sabemos que a pobreza tem outras dimensões e estamos usando o índice elaborado pelo Ipea para descobrir que famílias devem ser priorizadas não só pelo Bolsa Família mas pelos outros programas sociais do governo. É um instrumento concreto que ajuda na focalização das políticas, pois muitas vezes as pessoas têm outras vulnerabilidades que não propriamente a renda",diz Cunha.Nesse sentido, o índice deve ajudar a responder algumas questões; por exemplo, quem são os mais pobres e como ordená-los em uma fila única de beneficiários potenciais."Quando os formuladores e gestores de políticas públicas começarem a perceber que a pobreza só pode ser entendida como multidimensional, estaremos diante de uma mudança paradigmática. É difícil antecipar as conseqüências.Apenas é possível afirmar que serão extremamente positivas",aposta Eli da Veiga.
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